fevereiro.2023

Pessoas com deficiências estão entre as mais dependentes de cuidados

A definição de pessoa com deficiência tem evoluído desde os anos 1980. A Organização Mundial da Saúde, em 1997, estabeleceu a Classificação Internacional das Deficiências, Atividades e Participação (CIDDM-2) com uma nova abordagem para pessoas com deficiência e suas limitações fisiológicas, na qual entende que, além do problema corporal, há que se considerar o grau de complexidade das atividades exercidas por essas pessoas e o ambiente onde tais atividades são exercidas, incluindo as condições de adaptação implementadas pela sociedade para acolher quem tem alguma deficiência. Esta abordagem procurou levar em conta as iniciativas que ampliam as oportunidades de inclusão, ao fornecer elementos que permitem a acessibilidade e a atuação de pessoas com deficiências. Passados mais de 20 anos, embora não estejam universalizados, já é comum encontrar nos ambientes urbanos pisos táteis nas calçadas, equipamentos automotivos adaptados, sinalização sonora nos sinais, instalações sanitárias adaptadas a diferentes tipos de necessidades (idosos, cadeirantes e pessoas de baixa estatura), para citar exemplos simples que tornaram acessível às pessoas com deficiência à vida social.

Algumas pesquisas buscam produzir informações para pessoas com deficiência considerando todos esses aspectos – perda de parte do corpo ou de alguma de suas funções, atividades e aspectos inclusivos. Para isso precisam partir de múltiplos elementos que indiquem alguma limitação ao exercício pleno das atividades – como o uso de óculos, de aparelhos auditivos, de algum instrumento de apoio para o deslocamento, de algum medicamento –, investigando restrições físicas ou mentais que levem a situações de perda da autonomia ou da independência na vida cotidiana.1

Pesquisa de Cuidados no Domicílio, realizada por telefone, optou por um critério mais restrito, ao perguntar aos entrevistados se havia alguém no domicílio com deficiência física, auditiva, visual, intelectual ou transtorno de comportamento, que fosse permanente e gerasse forte limitação para o desempenho de alguma função ou atividade. Esse conceito parte do princípio de que, nos últimos 20 anos, houve significativa integração das pessoas com deficiência ao convívio social, ainda que nem todas as adaptações que favorecem a integração das pessoas com deficiências estejam universalizadas.

Entre os principais resultados encontrados na pesquisa, destaca-se que 1,7 milhão de pessoas de seis anos e mais que residiam em domicílios que precisavam de cuidados, no Estado de São Paulo, têm deficiências. Entre elas, 75% fazem tratamentos contínuos, a maior em hospitais e clínicas públicas ou em organizações não governamentais sem fins lucrativos, e 52% precisam de apoio para se deslocar até o local de tratamento. Entre as pessoas com deficiência, 69% consideram-se independentes para a realização de atividades da vida diária, 9% têm pelo menos uma atividade com forte limitação e 22% são parcial ou totalmente dependentes.

1,7 milhão de pessoas de seis anos e mais têm alguma deficiência e metade é composta por adultos

Das 9,3 milhões de pessoas de seis anos e mais residentes nos domicílios que foram objeto do levantamento, 18,5% (ou 1,7 milhão de pessoas de 6 anos e mais) têm algum tipo de deficiência física, auditiva, visual, intelectual ou transtorno comportamental relatado pelos respondentes da pesquisa no Estado de São Paulo. Segundo tipo de deficiência e faixa etária, observa-se que:

    • 41% têm deficiência física, auditiva ou visual (720 mil pessoas), pouco mais da metade (51%) com idade entre 30 e 59 anos e 29% com 60 anos e mais;
    • 33% possuem deficiências intelectuais (limitações nas habilidades mentais, atraso no desenvolvimento, inclusive Síndrome de Down) (571 mil), metade (52%) com idade entre 30 e 59 anos e 45% entre 6 e 29 anos;
    • 26% são portadores de transtornos psicossociais ou de espectro autista (446 mil), com 51% com idade entre 30 e 59 anos e 45% entre 6 e 29 anos.

Gráfico 1 – Distribuição das pessoas de seis anos e mais com deficiências, por faixas etárias

Estado de São Paulo, 2021, em %

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Cuidados no Domicílio.

75% das pessoas com deficiência fazem tratamento contínuo

Do total de pessoas com deficiência, 75% realizavam tratamento contínuo:

  • 72% (1,2 milhão de pessoas) se deslocavam para chegar ao local de tratamento (hospital, clínica, centro de reabilitação, AACD, Apae), 3% realizavam tratamento no domicílio e 25% não faziam tratamentos contínuos;
  • 79% dos que recebiam tratamento em hospital ou clínica o recebiam em caráter gratuito (981 mil pessoas) e 21% pagavam pelo tratamento.

Dos 25% que não realizavam tratamento contínuo (440 mil pessoas), 62% afirmaram não o buscar porque não queriam ou por entender que não precisavam; 19% disseram não frequentar por falta de vagas em estabelecimentos públicos ou por não ter condições de pagar pelo tratamento e 13% deixaram de frequentar por causa da crise sanitária da Covid-19.

52% das pessoas mencionaram ter necessidade de apoio para se deslocar até os locais de tratamento

Para entender que tipo de limitações as pessoas com deficiência apresentam, foi investigada a necessidade de ajuda de outra pessoa para realização de dois conjuntos de tarefas: as básicas, cuja presença de ajuda indica limitação física para sua realização; e as tarefas instrumentais, para as quais o auxílio ocorre progressivamente com a perda de capacidade cognitiva ou da força física.

Em relação à realização de tarefas básicas, verificou-se que 30% das pessoas com deficiência precisam de ajuda para tomar banho, 27% necessitam de apoio para se vestir, cuidar de si e se alimentar, 25% possuem necessidade de ajuda para o uso do banheiro e 22% precisam de apoio para se levantar da cadeira ou da cama, ou para se deslocar entre cômodos.

Quanto às tarefas instrumentais, que envolvem situações menos delicadas do que as básicas diárias, a maioria (52% ou 907 mil pessoas) das pessoas com deficiência necessita de apoio para ir aos locais de tratamento e fisioterapia (que 72% afirmaram realizar), o que reforça a importância do transporte público destinado a pessoas com deficiência.

São relevantes também as parcelas com necessidade de apoio para tomar remédios na hora certa (37%), fazer suas compras básicas (36%), controlar seus gastos e pagar contas (30%) e para realizar atividades simples da casa (lavar a roupa, arrumar a casa, fazer limpeza leve e refeições simples) (30%).

Gráfico 2 – Proporção de pessoas de seis anos e mais com deficiência, por necessidade de apoio para realizar tarefas básicas e atividades instrumentais

Estado de São Paulo, 2021, em %

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Cuidados no Domicílio.

35% das pessoas com deficiência têm dependência total ou parcial

A mensuração da existência de demandas para ajuda na realização de tarefas básicas pode envolver de um a quatro tipos de tarefas que precisam de auxílio. Para mensurar o número de pessoas que demandam apoio foi utilizado o Índice de Katz,2 o que permitiu identificar as pessoas com deficiência segundo situação de dependência.

Entre as pessoas com deficiência, cerca de dois terços desfrutam de independência para a realização de tarefas básicas. Considerando-se o conjunto das pessoas de 6 a 59 anos e o de pessoas de seis anos e mais que residem em domicílios que possuem alguém com necessidades de ajuda, verifica-se que para esses grupos pelo menos 88% não têm nenhuma necessidade de apoio para realizar tarefas básicas.

Já para as pessoas com deficiência, 18% (309 mil pessoas) encontravam-se em situação de semidependência (por precisar de apoio para pelo menos uma tarefa) e 17% (303 mil) eram completamente dependentes, por necessitar de apoio de outras pessoas para todas as tarefas. Somadas, essas parcelas correspondem a 35% das pessoas com deficiência, o que é três vezes maior do que o observado entre pessoas de seis anos e mais, que residem em domicílios com necessidades.

Gráfico 3 – Distribuição das pessoas de seis anos e mais e de 6 a 59 anos residentes em domicílios com necessidades e das pessoas com deficiência, segundo grau de dependência

Estado de São Paulo, 2021, em %

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Cuidados no Domicílio.
(1) Inclui dependência incompleta, uma vez que a amostra não comporta a desagregação para essa categoria.

Famílias com pessoas com deficiência têm menor renda

Além das dificuldades individuais, importa compreender a situação das famílias, principais responsáveis pelo cuidado das pessoas com deficiência, pois sua composição e renda podem determinar a capacidade de acesso a serviços para essas pessoas. Um primeiro aspecto importante é que o tamanho da família das pessoas com deficiências não é muito diferente do conjunto da população, correspondendo, em média, a 3,5 pessoas. Outro fator relevante é que, na maioria desses domicílios, há apenas uma pessoa que trabalha e gera renda.

Comparando a situação de renda das famílias com pessoas com deficiência e das outras famílias com pessoas de seis anos e mais com necessidades, verifica-se uma situação mais fragilizada por parte das famílias com pessoas com deficiência. Entre estas, 48% tinham no máximo dois salários mínimos de renda, enquanto para o conjunto das famílias com pessoas de seis anos e mais que têm necessidades essa parcela era de 39%, 9 p.p. menor. A parcela que declarou renda entre 2 e 5 salários mínimos para as famílias com pessoas com deficiência é de 46%, 5 p.p. menor do que para o conjunto das famílias.

Gráfico 4 – Distribuição das famílias com pessoas de seis anos e mais residentes em domicílios com necessidades e das famílias com pessoas com deficiência, por faixa de renda total do domicílio (1)

Estado de São Paulo, 2021, em %

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Cuidados no Domicílio.
(1) Renda total do domicílio no mês anterior ao da entrevista. Em reais de 2021.

Reforçando a percepção de que as famílias com pessoas com deficiência encontram-se em situação econômica fragilizada, merecem destaque o elevado percentual daquelas que utilizaram o auxílio emergencial durante a pandemia de Covid-19 (75%) e a indicação da diminuição da quantidade de alimentos para as pessoas com deficiência (30%).

Maior parte das pessoas com deficiência fica na companhia da família e não tem cuidadores específicos

Ao investigar quem era o principal cuidador das pessoas com deficiência, verificou-se que a maior parte (59%) não tem um cuidador específico na família, informando que permanecem na companhia dos familiares, o mesmo ocorrendo nas diferentes faixas etárias. Já entre os que tem cuidador específico, os pais, em especial as mães, são nomeados como principal responsável pelo cuidado (23%).

Gráfico 5 – Distribuição das pessoas de seis anos e mais que necessitam de cuidados, por grupos de idade e principal cuidador

Estado de São Paulo, 2021, em %

Fonte: Fundação Seade. Pesquisa Cuidados no Domicílio.
Notas
1. Exemplos desse tipo de pesquisas são a Amostra do Censo Demográfico e a Pesquisa Nacional de Saúde, ambas realizadas pelo IBGE.
2. O índice de Katz sintetiza o nível de dependência a partir da capacidade da pessoa para realizar as atividades básicas da vida diária. Segundo essa classificação, o indivíduo independente realiza todas as atividades básicas. O semidependente não realiza pelo menos uma das atividades, como banhar-se e/ou vestir-se e/ou usar o banheiro. O dependente incompleto apresenta comprometimento de uma das funções vegetativas simples, como a de transferência de um cômodo a outro e, por decorrência, depende de ajuda para banhar-se, vestir-se e usar o banheiro. O dependente completo apresenta comprometimento de todas as funções vegetativas simples, incluindo a capacidade de alimentar-se sozinho. No caso das pessoas com deficiência não estão sendo considerados aspectos de acessibilidade em locais fora do domicílio.

 

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